segunda-feira, 12 de março de 2018

2002


Lula X Serra (2002)
                Em 2002, a plataforma petista mudou bastante: modernizar a legislação sindical e trabalhista; reduzir a taxa de juros para promover o crescimento econômico; manter os contratos internacionais e o acordo do FMI, promover o financiamento da saúde por toda a sociedade; criar um programa social contra miséria (o ‘Fome Zero’); atacar o problema da segurança pública através de oportunidades para os jovens; criar quatro milhões de  bolsas-escola  em  todo o País; universalizar o ensino pré-escolar até o médio e garantir o acesso à creche – entre outras. 
Mudaram as propostas políticas, o discurso ideológico, o perfil dos militantes do PT, as alianças com outras forças políticas, o marketing, o cabelo, a barba, as gravatas. Lula e o Partido dos Trabalhadores mudaram? Ou terá sido o eleitor que mudou? Lula mudou porque o Brasil mudou – mudou a imagem que o país faz de si mesmo, mudou também a imagem dos que representam a própria mudança.
Resultado eleitoral em 2002 – 1º turno
Presidenciáveis
Votos
Válidos (%)
Lula
39.443.765
46,6
Serra
19.700.395
23,2
Garotinho
15.175.729
17,9
Ciro Gomes
10.167.597
12
Votos apurados
94.776.465
Votos brancos
2.873.203
Votos nulos
6.975.128
Votos válidos
84.928.134
Resultado eleitoral em 2002 – 2º turno

Presidenciáveis
Votos
Percentual
Lula
52.788.428
61,3
Serra
33.366.430
38,7
Brancos
1.727.598
Nulos
3.771.885
Apurados
91.654.341
Votos válidos
86.154.858
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

     
ELEIÇÃO DE 2002
  1. Cenário de Representação da Política
Há várias semelhanças entre os CR-Ps eleitorais de 1989 e de 2002. Uma primeira constatação é que, como 1989, a campanha presidencial na mídia começou muito antes do horário eleitoral, tanto na imprensa escrita e televisiva propriamente dita como através da propaganda partidária (Abril e Maio), em que o PFL (repetindo a estratégia de Collor) lança a pré-candidatura de Roseana Sarney[1] e Lula aparece chorando ao contar as mortes de sua primeira mulher e de sua filha recém-nascida em um hospital público. A imprensa também deu destaque a vários assuntos relativos à campanha (aliança PT/PL, a briga entre Serra e Tasso Jereissati, as resistências do PSB ao nome de Garotinho, as convenções partidárias, entre outros).
Cercada de indefinições e surpresas, a eleição presidencial já era notícia em janeiro e nem a Copa do Mundo em julho diminuiu o ritmo da cobertura eleitoral. (ALDÉ; In: RUBIM, 2004a. p. 107)
Outra constatação unânime é que a mídia deu muito mais visibilidade à eleição presidencial de 2002 do que às de 1994 e 1998. Só no primeiro turno, os presidenciáveis estiveram em 4 sabatinas realizadas pelos jornais O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, além destas, os candidatos compareceram a quatro debates e 63 entrevistas na TV e outros eventos setoriais promovidos pelas mais diversas entidades da sociedade civil. A quantidade de debates promovidos, por si só, demonstra uma mudança radical no comportamento da mídia sobre as eleições. Em 1998, por exemplo, nenhum órgão de imprensa se dispôs a promovê-los.
O TSE fez uma campanha publicitária sobre a importância das eleições. A campanha foi espontaneamente engrossada pela mídia em geral: a Rede Globo colocou no ar uma série de spots publicitários com artistas famosos sobre eleições e cidadania; e o jornal Folha de São Paulo publicou várias matérias contra o clientelismo. Curiosamente, a estética dos programas eleitorais do PT lembrava (pelos artistas globais e pelos recursos de computação gráfica) esta campanha institucional agendando fortemente o tema de ética na política nas eleições 2002.
Aliás, pautados pela necessidade de perceber como a imprensa estaria cobrindo a eleição presidencial de 2002, a assessoria de imprensa do próprio Partido dos Trabalhadores iniciou um trabalho de acompanhamento da cobertura dos principais jornais diários (Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil) e revistas semanais (Veja, Isto É, Época e Carta Capital) – cujos resultados estatísticos se encontram no site da campanha de Lula em 2002, juntamente com comentários sobre diversos episódios da campanha. Entre os estudiosos e analistas, também é consenso que a mesma imprensa que escondeu as eleições em 1998, decidiu torná-la seu espetáculo principal em 2003. Porto vai constatar um aumento significativo na visibilidade das eleições na mídia e o predomínio do enquadramento político dos candidatos na agenda econômica.
O artigo A televisão e o primeiro turno das eleições presidenciais de 2002: análise do Jornal Nacional e do horário eleitoral (PORTO; VASCONCELOS; BASTOS in Rubim, 2004a. p.68) aponta para uma alteração no padrão de interação entre os meios de comunicação e o processo eleitoral. A pesquisa também constatou que houve mudanças qualitativas no noticiário (que se tornou mais substantivo) e que a superexposição das eleições na mídia colocou a construção da Imagem Pública dos candidatos em primeiro plano.
O texto estuda a relação entre a agenda do Jornal Nacional e agenda dos candidatos no horário eleitoral. Em relação ao JN, a campanha ocupa 51,8% do tempo do noticiário de 1/6 até 6/10. Enquadramento noticioso: personalístico (0,3%), episódico (45,7%), temático (35,5%) e horse race (18,4%) – o que aponta para uma cobertura substantiva. Também se constatou um equilíbrio entre os candidatos em termos de tempo, com destaque para cobertura negativa de Ciro (29,1% de valência negativa). Para Porto, a predominância de um enquadramento interpretativo restrito da economia favorecia a interpretação de conjuntura do governo e seu candidato.
Em relação ao horário eleitoral, Porto utilizou sua metodologia dos apelos de HGPE. E observando a interseção dos dois espaços de interpretação da realidade política, Porto conclui que o candidato do PT foi o que mais dialogou, através do HGPE, com as controvérsias apresentadas no Jornal Nacional.
Candidato
Apelos no Horário Eleitoral
LULA
Análise de conjuntura (28,2 %), Políticas Futuras (18,4%), mais jingles (10,6%) e menos Propaganda Negativa (2,5%).
SERRA
Políticas Futuras (36,4%) e Políticas Passadas (15,6%)
CIRO
Propaganda Negativa (29%) e Políticas Futuras (14,5%)
GAROTINHO
Políticas Passadas (23,8%) e Políticas Futuras (17,7%)



O texto A descoberta da política – a campanha de 2002 na Rede Globo (MIGUEL, in RUBIM, 2004a, p. 91), também acredita que a intensa visibilidade das eleições e o fechamento do campo discurso em torno do agravamento da crise econômica foram instrumentos da mídia para o enquadramento dos candidatos num figurino estrito, de confiabilidade em relação aos contratos internacionais, ao pagamento das dívidas e à necessidade de um ajuste fiscal. A associação das oscilações do dólar, da bolsa de valores e do risco Brasil em relação à temática eleitoral, dando uma visibilidade exponencial às expectativas do mercado financeiro, também pode ser constatada.
Em contrapartida, outros temas foram silenciados, como a entrada do país na ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), uma vez que não eram do interesse da mídia e dos candidatos. Miguel lembra ainda que TV Globo sempre foi um instrumento de hegemonia em simbiose com o poder. Em 82, a Globo tentou fraudar as eleições estaduais do RJ, no caso Proconsult; em 84, lutou contra as eleições diretas para presidência; em 89, entre outras manobras, reeditou o debate entre Lula e Collor em benefício do último; em 94, apoiou o Plano Real em combinação com o ministro Ricupero para eleger Fernando Henrique Cardoso; e em 98, o Jornal Nacional comandou o esvaziamento das eleições no noticiário, ajudando a reeleger FHC.  Para Miguel, em 2002, “a Globo atribuiu a si mesma a posição de regente das eleições” (2004, p. 100). O pesquisador acredita que a situação financeira da empresa contribuiu para a mudança de comportamento da emissora. Mas que daí também resultou um telejornal mais cidadão, voltado para os temas da esfera pública e até mesmo os temas cotidianos ou classificados como políticos, como assassinato do repórter Tim Lopes pelo narcotráfico carioca que normalmente seria tratado como um assunto de polícia, passaram a ser tratado de forma mais sociológica, mostrando a necessidade de políticas públicas contra a violência urbana e o crime organizado. Em relação ao fechamento do campo discursivo [...]
[...] a simples exigência de um comportamento confiável e responsável fecha o campo político, excluindo os grupos que não se conformam com os papéis que lhes cabem e que buscam redefinir as fronteiras da própria política. (MIGUEL, 2004, p.100)
Ou seja: a mídia elogia o amadurecimento dos que se enquadram nos limites impostos e ignora (ou folcloriza) os que se rebelam contra eles. Nesta linha, o texto descobre duas estratégias de fechamento discursivo: a promessa do candidato (de manter os compromissos com o FMI - honrar os contratos, não deixar de pagar a dívida externa e fazer o ajuste fiscal nas contas públicas) e agendamento de alguns temas em detrimento de outros.
Miguel conclui que Lula se adaptou ao modelo discursivo dominante. Conclusão com que concordamos com uma ressalva. Na última sentença do texto Miguel afirma que “À incerteza, própria do jogo eleitoral e mesmo da democracia, opôs-se, com êxito, a necessidade de ‘segurança’ para os investidores externos”. (MIGUEL, 2004: p. 104) Ou seja: a segurança das elites prevaleceu sobre a possibilidade de mudança. Um erro de leitura poderia alterar o lugar da crase desta frase, mudando-lhe o sentido. A incerteza, própria do jogo eleitoral e mesmo da democracia, opôs-se, com êxito, à necessidade de ‘segurança’ para os investidores externos. Isto é: a indução ao risco exigindo mudanças prevaleceu sobre os interesses das elites, que também tiveram (contra vontade) que se adaptar à vitória de Lula e do PT.
Visibilidade e estratégias nas Eleições Presidenciais de 2002: Política, Mídia e Cultura (RUBIM, 2004a, p. 07) pergunta por que a superexposição das eleições na mídia ao invés do ocultamento das campanhas em 1998. Também, neste texto, Rubim aponta para uma mudança na Imagem Pública de Lula (que detalhamos na conclusão) e para o fato de que “essencialmente baseada no confronto de sua imagem de competência administrativa e técnica – melhor ministro da saúde do mundo – com o despreparo de Lula”, Serra fez uma campanha reativa.
  1. Horário Eleitoral
Antes de uma da análise do conteúdo político dos HGPE’s e das diferentes estratégias de campanha das principais candidaturas para disputa e manutenção de votos, é preciso ressaltar diferenças ainda formais, como a melhor distribuição dos VT’s de Lula durante todo período do horário eleitoral. Assim, por exemplo, o PT foi o partido que mais repetiu programas, no entanto, o que melhor distribuiu os programas durante o conjunto do tempo. Enquanto os outros candidatos repetiam os seus programas em seguida, passando o mesmo programa uma vez de tarde e outra à noite, Lula e o PT começam a primeira semana sem repetir programas, dando a impressão de maior consistência programática. Porém, esses mesmos programas iniciais serão reeditados várias vezes e repetidos, adaptando-se a diferentes momentos da campanha, mas ao mesmo tempo reforçando as principais ideias da campanha.
Também do ponto de vista da oportunidade, ou seja, da hora mais adequada da veiculação dos VT’s, a campanha do PT para presidência parece mais bem programada. Assim, Lula aproveita a primeira deixa do dia da independência, faz um belo clipe pela paz antes do dia 11 de setembro, denuncia a exportação de empregos na questão das plataformas marítimas da Petrobrás, responde às críticas formuladas pela propaganda negativa de Serra de forma rápida e eficiente. Ou seja, há um melhor gerenciamento do conteúdo político, tanto do ponto de vista quantitativo (com a distribuição de uma menor quantidade de material durante o tempo) como do qualitativo (devido à oportunidade e pertinência da colocação deste conteúdo em relação aos acontecimentos).
Quanto ao conteúdo propriamente dito, pode ser analisado tanto por tópicos-chave da campanha de cada candidato como também através das estratégias desenvolvidas semana a semana.
A campanha de Antony Garotinho, por exemplo, teve como eixo principal a argumentação de que ele era o único candidato de oposição ao governo federal, uma vez que os demais candidatos firmaram compromissos que os descredenciavam. Um spot representativo deste argumento mostra um jogo de carta entre aposentados em que se discutia a campanha eleitoral:
FHC apoia Serra, então, descarta o Serra; Sarney apoia o Lula, descarta o Lula; ACM apoia o Ciro, então, descarta o Ciro. Só sobrou o Garotinho. (Vinheta apresentada em vários programas)
Outra ideia recorrente dos HGPE’s de Garotinho é a de apresentá-lo como “o melhor governador do Brasil”, apresentar a lógica de que já fez e fará ainda mais se for presidente. Este argumento é insistentemente trabalhado em relação ao salário mínimo, aos empregos nos estaleiros cariocas, em relação à vitória de sua esposa para governadora do Rio ainda no primeiro turno (que demonstra uma grande aprovação à sua administração). Garotinho se compara ainda aos presidentes Vargas e Juscelino, “que também foram acusados de populistas e demagógicos por defender o povo” e que ficaram conhecidos pelo desenvolvimentismo.
José Serra vai concentrar seus programas na ideia-chave de Trabalho, geralmente reduzido à condição de emprego. Sua principal proposta consiste em produzir oito milhões de empregos, através do projeto segunda-feira, e pretende se diferenciar dos demais candidatos por ser o único (imitando FHC em 98) que diz como realisticamente chegar a esta façanha. É como diz seu jingle:
A mudança é azul, a mudança é acordar cedo, a mudança é ter trabalho, a mudança se chama emprego; a mudança é de norte a sul, a mudança é sonhar sem medo, a mudança é trabalho, a mudança se chama emprego. (Jingle apresentado em vários programas.)
Os programas de Serra à tarde assumiram uma feição jornalística (novamente imitando FHC em 98) e foram apresentados pela jornalista Valéria Monteiro (sob o nome: Boa Tarde, Brasil!) e os da noite foram apresentados pelo animador Gugu Liberato de forma mais popular e didática. Nas entrevistas à tarde, Valéria entrevistou Rita Camata, Xitãozinho e Xororô, os garotos do KLB, Antônio Ermínio de Moraes e o próprio Serra. Perguntas sobre as vidas dos entrevistados se misturavam com perguntas sobre o candidato e o programa era separado em blocos divididos por vinhetas, dando a noção de intervalos comerciais. Também é importante ressaltar os programas temáticos de Serra específicos para determinados segmentos, como é o caso dos programas voltados para a mulher, para o idoso, para os jovens e os programas regionais para o Nordeste e para Minas Gerais. Porém, o ponto decisivo para análise da estratégia discursiva do candidato do governo está no uso que ele fez da propaganda negativa contra outros candidatos, e nos motivos dessa propaganda ter sido bem sucedida contra Ciro Gomes e ter fracassado contra Lula.
Aliás, pode-se dividir a campanha Ciro Gomes em antes e depois de sua queda de segundo para terceiro lugar. Em um primeiro momento, Ciro vai se oferecer como o nome capaz de derrotar Lula no segundo turno e não responderá à propaganda negativa de Serra; porém, após perder o segundo lugar, a tônica dos programas da frente trabalhista será a crítica ao governo federal e Lula será tratado como alguém bem intencionado, mas que não é capaz de promover as mudanças que prega.
Sem sombras de dúvidas, o melhor programa do horário gratuito eleitoral, seja do ponto de vista técnico ou do político, foi o de Luis Inácio Lula da Silva. Uma de suas características mais interessantes foi a de aliar argumentação lógica e apelo emocional de forma a desconstruir indiretamente o discurso de seus adversários. Os programas utilizaram dramatizações – como no programa do alto preço dos remédios, em que duas mães, Maria e Joana (uma pobre e outra rica), se defrontavam com a mesma situação de ter um filho doente ou ainda no programa sobre violência, através do desespero de dois pais, um de assaltante e o outro do assaltado, que perderam seus filhos, Pedro e Paulo, em mais um episódio anônimo da violência urbana. Também o depoimento do estudante João e de uma mulher sobre o oportunismo de como os outros candidatos utilizavam a questão feminina são peças de grande apelo emocional. Essas peças, no entanto, eram devidamente suplementadas por propostas, dados e informações programáticas de como acabar com esses problemas. Ao contrário do programa abertamente apelativo de Garotinho e dos programas racionalistas e agressivos de Ciro e Serra, Lula apresentava um equilíbrio entre emoção e razão, além de combater seus adversários sem descambar para ofensas.
A primeira semana do horário eleitoral das campanhas presidenciais de 2002 colocou diferentes estratégias de apresentação dos candidatos e de suas propostas. Lula apresentou seu programa de governo e agradeceu à sua equipe de elaboração, em diferentes HGPE’s temáticos (Crescimento Econômico, Remédios, Educação, Saúde) sem repetição durante a primeira semana. Seus programas também desconstruíram os argumentos contrários à candidatura Lula (que ele não é formado, que é radical, etc).
Serra deu uma entrevista a Valéria Monteiro e enfatizou sua biografia política: presidente da UNE, exílio no Chile, luta contra a ditadura, a campanha das ‘Diretas-Já’, a eleição de Tancredo, a Constituinte, sua vida parlamentar e sua atuação frente ao Ministério da Saúde de Fernando Henrique Cardoso. Garotinho se compara a Juscelino e a Vargas, e Ciro Gomes apresenta-se mais como uma opção capaz de impedir que Lula chegue à Presidência do que como uma das alternativas de oposição a FHC, uma vez que tentava atrair setores do PFL e do próprio governo descontentes com Serra.
Desde a primeira semana, Serra adotou a estratégia de desenvolver uma forte propaganda negativa contra Ciro Gomes, afirmando através de spots anônimos durante a programação e durante o horário eleitoral que ele agride todo mundo e que, com este gênio, não poderá ser um bom presidente. Ciro, por sua vez, opta por ignorar os ataques, se limitando a ironizá-los, inserindo um trecho de uma luta de boxe e afirmando ter acabado o horário de baixaria na TV. Nas semanas subsequentes, a justiça eleitoral condenaria Ciro a oferecer tempo para o direito de resposta a Serra devido a este VT.
Na segunda semana, as estratégias permanecem: Ciro é recomendado por Zélia Gattai (viúva de Jorge Amado) e apresenta um programa especial sobre segurança pública, Garotinho apresenta um leque de apoios evangélicos, Lula continua apresentando apenas programas novos e Serra permanece atacando Ciro. No dia 27, Ciro responde a Serra, mas já é tarde: as primeiras pesquisas apontam a queda de Ciro/subida de Serra, atestando o efeito da propaganda negativa.
Na terceira semana, surgem jingles secundários (Assim será do PT e Quero-quero de Serra), a pesquisa do IBOPE confirma a queda de Ciro, Serra faz um programa específico sobre segurança (com as mesmas propostas que Ciro) e com a escritora Glória Perez, e Lula dedica um programa sobre a exportação dos empregos na construção das plataformas marítimas da Petrobrás, que segundo ele não deveriam ser construídas fora do país. A atriz Patrícia Pillar, mulher de Ciro Gomes, aparece pela primeira vez com o bordão “Quanto mais conheço, mas gosto de Ciro” – afirmando que se as pessoas se abrirem para realmente conhecê-lo, vão gostar dele assim como ela gosta (ou quase!).
A quarta semana de horário eleitoral é marcada pelo debate realizado pela TV Record com candidatos. Serra reedita os melhores trechos para tentar passar que saiu vitorioso no debate, o que efetivamente não aconteceu, pois os outros três candidatos oposicionistas se uniram contra ele, colocado como candidato de situação. Serra apresenta ainda dois programas temáticos – um voltado para terceira idade e outro para mulher, mas com ênfase em saúde e segurança, e, como propaganda negativa, inicia uma comparação entre Ciro Gomes e Fernando Collor.
Ciro, por sua vez, também reedita o debate da Record mostrando o candidato apresentando suas respostas e colocando os piores momentos do candidato oficial. Também desenvolve um clipe, utilizando rap e efeitos gráficos, ironizando as propostas de Serra em relação às duas administrações de FHC.
No dia da Independência, Lula sai na frente apresentando um programa especial sobre o tema, com direito a um belo clipe em que o hino nacional é executado pelo Ilé Ayê. À noite, Ciro e Serra também tentam associar seus programas ao tema: Serra reaproveitando o programa dedicado à mulher e Ciro dedicando seu programa à causa negra. Enquanto isso, Garotinho lembra que foi ele que reativou os estaleiros do RJ e que, portanto, é ele que deve cobrar ao governo federal que as plataformas da Petrobrás devam ser construídas aqui.
No dia 10, Lula novamente nos brinda com outro clipe temático, agora sobre a paz, em uma homenagem aos mortos no atentado de 11 de setembro. Serra, por sua vez, trabalha programas voltados para públicos-alvo específicos: os idosos e os jovens.
A sexta semana transcorreu sem grandes novidades, com os candidatos repetindo e massificando suas propostas. Ciro Gomes reclama da baixeza do ataque de Serra à sua companheira Patrícia Pillar. Ela teve câncer, foi submetida a quimioterapia, estava careca e aceitou fazer parte da campanha de Ciro, falando que ele tinha sido muito importante para ela. A campanha de Serra acusou Ciro de usar a doença da mulher. E Rosinha Garotinho aproveitou a ocasião para informar que seu companheiro, além de bom governador, é também um bom pai e marido.
As grandes novidades da sétima semana de propaganda eleitoral são o surgimento do comediante Falcão no início dos programas de Ciro, o novo programa do PT sobre cooperativismo, com um VT específico sobre a questão da mulher e como está sendo tratada por outros candidatos e, principalmente, o início da propaganda negativa de Serra diretamente contra Lula e o PT. Além de comparar as biografias, ressaltando as qualidades intelectuais e administrativas de Serra, questiona-se sobre se Lula realmente mudou ou se está apenas mentindo. Mostra um trecho de discurso de José Dirceu, em que ele supostamente incita os petistas à violência.
Lula, no entanto, ao contrário de Ciro que ignorou os ataques se fazendo de superior, se defende imediatamente de Serra, apresentando pesquisas que mostram que o candidato oficial perde a eleição ainda no primeiro turno. Lula responde também a comparação entre biografias, sobre sua falta de diploma e sobre a sua proposta de criar dez (e não oito como advoga Serra) milhões de empregos em quatro anos. O programa do PT mostra ainda várias administrações bem sucedidas do partido, como uma resposta à acusação de que o PT não tem experiência para governar.
Serra, por sua vez, insiste em comparar as biografias e em outras denúncias, como que o programa petista seria semelhante ao de Paulo Maluf em relação à proposta das farmácias populares ou ainda de que o PT havia fechado as farmácias no RS por terem sido criadas na administração de Antônio Britto. No dia 21, à tarde, o programa de José Serra chega a gastar todo seu tempo com propaganda negativa contra Lula.
De noite, o PT coloca no ar um programa de resposta bastante consistente: a) inicia com uma enquete popular se Lula deve ou não responder às acusações, deixando para o eleitor julgar sua situação; b) apresenta a mudança de voto do presidente da Gradiente, Eugenio Staub, feita devido ao efeito contrário da propaganda negativa de Serra; c) volta a rebater todos os argumentos de Serra; e d) apresenta dois novos programas (sobre a indústria automobilística e sobre agropecuária), mostrando que tem proposta e que prefere gastar seu tempo produtivamente.
As duas penúltimas semanas do primeiro turno marcaram, sobretudo, uma consolidação das estratégias que já vinham sendo adotadas, sem maiores mudanças. Serra investirá em programas regionais, uma para o Nordeste, onde seu nome tem dificuldades em se enraizar, e outro, ao contrário, no estado em que tem a maioria dos votos, Minas Gerais, devido ao apoio do governador Aécio Neves. Nos dois casos, o programa apresenta clipes e versões regionalizadas dos jingles de campanha. Garotinho firma na idéia de que é o único realmente a fazer oposição verdadeira a FHC, uma vez que os outros candidatos estão comprometidos com personagens do governo. Seu discurso contra os bancos às vezes se assemelha ao do PSTU. No dia 28, o programa de Garotinho apresenta as pesquisas de opinião de intenção de voto para os governos estaduais que apontavam para vitória de sua esposa, Rosinha, ainda no primeiro turno. Ciro vai massificar a fórmula nem x, nem y; nem a manutenção (Serra), nem a falta de experiência (Lula); nem a não-mudança, nem a mudança irresponsável; nem a mesma coisa, nem o desconhecido e inesperado como insinua o comediante Falcão. Este eixo, embora bastante contundente para combater simultaneamente os dois adversários, só foi adotado após a queda de Ciro para o terceiro lugar e acabou por fixá-lo nesta posição. Em seu último programa, Ciro lamenta a campanha de difamação da qual se considera vítima e se defende pontualmente das acusações de genioso e desajustado.
Na última semana, os candidatos apresentaram programas retrospectivos de suas propostas e das principais ideias expostas durante toda a campanha. Foram concedidos dois direitos de reposta ao PT dentro do programa de José Serra, o primeiro por ter acusado José Dirceu de ter incitado violência contra o ex-governador Mário Covas e um segundo sobre a crítica feita a Lula, de que ele não seria capaz de governar o país por não ter curso superior. Em ambos os direitos de resposta, o PT explorou ao máximo a situação, jogando Serra contra seus próprios correligionários, mostrando Covas em campanhas petistas e que até o presidente FHC considerou preconceituosa a atitude de seu ministro da saúde.
  1. Segundo turno
No 2O turno, a predominância de uma maior qualidade técnica e política dos programas de Lula permanece. Enquanto a campanha do PT tem um novo jingle, A mudança começou, e seu programa passa um clima de comemoração e de vitória, Serra opta por uma estratégia de comparação das biografias e das propostas – reclamando em quase todos os seus programas que Lula se recusa a participar dos debates do segundo turno, concordando apenas em comparecer a um único debate na Rede Globo às vésperas das eleições. Aliás, esta estratégia da comparação de Serra mostra uma certa insistência na linha de propaganda negativa adotada no primeiro turno, principalmente do momento em que ele assumiu o segundo lugar nas pesquisas de opinião e trocou Ciro por Lula como alvo de seus ataques. Naquela ocasião, tratava-se de antecipar o 2O turno através do voto útil contra Lula. Serra afirmava que a mudança é azul e escrevia o nome de seu principal adversário em vermelho, perguntando ao eleitor quem seria capaz de garantir empregos. No 2O turno, a tentativa de ideologização da campanha, estratégia vitoriosa adotada por Collor em 89, foi ainda mais evidente e contundente, rendendo inclusive um bom clipe, com jingle da bandeira. Houve até, no dia 20/10, uma longa exortação moral aos valores da família, hoje corrompidos pelo individualismo da sociedade de consumo e pelo erotismo da mídia, com Serra defendo uma postura abertamente conservadora em relação aos hábitos urbanos.
De uma forma geral o PT foi muito mais propositivo que Serra e o exagero crítico da estratégia da comparação, realçado pelo fato de Lula falar predominantemente de si e de suas propostas, levou a um grande desgaste da campanha do candidato do governo. Fato foi denunciado pelo próprio HGPE do PT no dia 21/10 à tarde:
O HGPE foi criado para que cada candidato apresente suas propostas (...) Mas, o programa de Serra falou 245 vezes no nome de Lula e do PT. O recorde foi no sábado passado em que fomos citados 54 vezes em um único programa. (Fita DOXA-IUPERJ, 2002/05, 29:17.)
Além disso, as citações ao adversário tinham muitas vezes um tom jocoso e antipático, como o spot do sabonete que afirmava que Lula se recusava a participar dos debates, o deboche do jingle lula-lá de 1989 e do clipe das mulheres grávidas do 1º turno. Tudo isto, contribuiu para construção de uma imagem negativa de Serra e para o fortalecimento da estratégia comemorativa de Lula e do seu show de propostas. Já no primeiro dia, há claramente as duas estratégias desenvolvidas durante o 2O turno da campanha. Lula, cercado por seus correligionários em uma grande assembleia, agradece e parabeniza a todos, recebe os apoios de Ciro e Garotinho sob muitos aplausos e seu vice, o empresário José Alencar, convida todos para que, juntos, confirmem a vitória de Lula.
Também no primeiro dia começa a infeliz participação da atriz Regina Duarte dizendo ter medo de Lula e do PT e a estratégia de acusar o PT de ter dois discursos distintos, um para o povo, outro para as elites: “Para os que não tem nada, Lula promete mudar tudo; para os que têm tudo, Lula promete não mudar nada”. (Fita DOXA-IUPERJ, 2002/05, 07:13)
Lula reeditou vários programas do 1º turno, inserindo agora perguntas feitas por populares em uma arena de debates. Porém, tal qual no primeiro turno sua grande vantagem foi a presteza e a eficiência em desconstruir as críticas adversárias indiretamente. Aliás, podemos dizer que Lula foi mais indireto no 1º turno do que no 2º.
No primeiro turno, a afirmação de Serra de que foi o melhor ministro da saúde do mundo caía por terra diante da crítica ao atendimento desumano e do descaso na saúde pública e do drama pessoal de Lula (que perdeu uma esposa e uma filha em um hospital público).
No 2º turno, apesar de não se referir pelo nome ao adversário, Lula passou a responder diretamente às críticas de Serra. O caso da administração do PT frente ao governo do Rio Grande do Sul pode ser tomado como um exemplo desta capacidade de resposta. O mesmo pode ser dito em relação à educação, às críticas às invasões do MST e a outras questões levantadas por Serra e prontamente respondidas por Lula.
Porém o momento mais importante de toda a campanha foi o discurso histórico de Lula no domingo 20/10 repetido a pedidos na tarde do dia 22. Nele responde ao discurso do medo com o discurso da esperança. Justificando o trato de respeitar de contratos que assinou com FHC e com o FMI e decretando a vileza das intenções de seu adversário, chamando-o de irresponsável por lançar o país em uma crise econômica e de ainda tentar tirar proveito dela tentando se eleger.
O argumento do quanto pior, melhor tão usado para criticar o PT nas campanhas anteriores caiu como uma carapuça no candidato oficial. O impacto negativo da propaganda negativa levou a equipe de Serra a reformular sua estratégia no finalzinho da campanha: a biografia do candidato passou a ser apresentada sem a comparação com adversário; reforçando sua proposta municipalista (e o moralismo familiar), prefeitos e moradores de pequenas cidades e das periferias passaram a declarar seu apoio devido aos benefícios conseguidos com Serra no Ministério da Saúde; a vinheta Dito e Feito passará a ser massificada, defendendo que o candidato do governo realmente faz o que promete.
Porém, a aparência de José Serra no vídeo era lamentável: olhos fundos, tristes e cansados.
No último programa, do dia 25, enquanto Lula fazia de seu programa o desfecho glorioso da festa iniciada no dia 14, Serra voltou a sorrir. O clipe/conceito O tempo virou marcou o último lance do candidato do governo, que mesmo admitindo a validade das pesquisas de opinião favoráveis ao seu adversário, convidava cada um de seus eleitores a conquistar mais um voto para Serra, duplicando assim sua votação e virando a situação.
Talvez o melhor programa de Serra, em que a propaganda negativa se resumiu a mostrar a pesquisa do IBOPE que mostrava a vantagem de Serra sobre Lula (por um ponto percentual), apresentada como prova do desgaste da administração petista frente aos eleitores gaúchos.
Embora, do ponto de vista formal, a campanha do Serra imite a campanha do PSDB em 1998 (modelo detalhado de proposta contra o desemprego, programa de entrevistas pseudojornalísticas), não há como não perceber uma certa simetria discursiva, principalmente em relação às estratégias de persuasão e de sedução, entre Lula em 2002 e FHC em 1998.
É que ambos, se usarmos a linguagem teatral proposta por Soares, conquistaram a posição de protagonistas do CR-P e colocaram seus adversários na condição de antagonistas no drama narrativo do HGPE.
Evolução da intenção de voto nas pesquisas de opinião da campanha de 2002
 Fonte: DATAFOLHA
  1. Recepção
Entre 15 e 18 de maio, Lula chega ao patamar 43% das intenções de voto (mais do que a soma dos outros três candidatos). Em junho, o Governo resolve dar uma força a Serra, lançando um plano habitacional, com a declaração pública do ministro Malan de voto em Serra, liberando verbas do orçamento da União e até baixando os juros através do Banco Central. Então, o Risco Brasil e o dólar disparam.  Em julho, George Soros diz que ou Serra será presidente ou o caos levará o Brasil à argentinização. No início de agosto, FHC chama os candidatos para encontros individuais para falar sobre a crise econômica e a necessidade de compromisso com as metas do FMI.
Evolução da intenção de voto em 2002
DATA
PERCENTUAL NO IBOPE
EVENTO
02/05
Lula (42%), Serra (19%) e Ciro (13%)
Situação Inicial
14/07
Lula (33%), Serra (15%) e Ciro (22%)
Empate técnico entre Lula (43%) e Ciro (45%) no 2º turno e vitória fácil do PT (51%) sobre Serra (36%)
12/08
Lula (34%), Serra (12%) e Ciro (27%)
(Última antes do HGPE)
02/09
Lula (35%), Serra e Ciro (17%)
Efeito do HGPE
30/09
Lula (43%), Serra (19%), Garotinho (16%) e Ciro (11%)
Ciro cai, mas Serra não sobe e sim Lula e Garotinho.
Fonte:
Outro evento pré-HGPE importante foi a ascensão e queda de Ciro Gomes. De 10 a 23 de julho, o segundo lugar é festejado com apoio de ACM, Roseana e parte do PFL. Então surgem as associações com Collor, o coordenador de campanha Palmieri é comparado a PC Farias e os escândalos envolvendo José Carlos Martinez, presidente do PTB, aliado de Ciro. Também há as “mentiras de Ciro” (pagou a dívida do Ceará, estudou toda vida em escola pública, entre outras). O candidato agride a repórteres e a um estudante negro que perguntou sobre cotas. Denuncia-se ainda que Paulinho, da Força Sindical, vice da chapa, teria usado irregularmente o dinheiro do FAT. No começo de agosto começa a queda. Na última pesquisa antes do HGPE, Lula avança 10 pontos sobre Ciro que continua no segundo lugar. Além dessas mancadas, no dia 1º de setembro Ciro Gomes ainda diz que o papel da namorada, a atriz Patrícia Pillar, na sua campanha era o de dormir com ele. Os seus aliados bem que tentam reverter a situação e um jogo de futebol da seleção brasileira no Ceará é transformado em um ato público pró-Ciro. Mas já era tarde demais.
Dois trabalhos devem ser considerados essenciais em relação a esta quarta eleição.
A) O livro Eleições Presidenciais em 2002 no Brasil – ensaios sobre mídia, cultura e política (RUBIM, 2004a) resultou do III Encontro (Inter)nacional de Estudos de Comunicação e Política, realizado na UFBA em 2002, com a participação dos principais pesquisadores do tema (Antonio Rubim, Alessandra Aldé, Leandro Colling, Luis Felipe Miguel, Mauro Porto, Vera Chaia, entre outros). Vejamos alguns.
Os estudos sobre o Jornal Nacional nas eleições pós-ditadura e algumas reflexões sobre o papel desempenhado em 2002 (COLLING, In RUBIM, 2004a, p. 53.) alerta para a mudança de comportamento da mídia que obriga aos pesquisadores a rever sua metodologia de análise. Do modelo centrado na crítica, na intencionalidade e na hipervalorização dos efeitos da mídia para um modelo mais voltado para a teoria do jornalismo, os estudos de recepção e o estudo da dinâmica da política e do mercado de comunicação. Colling critica Rubim e Miguel pelo excesso de intencionalidade da “teoria conspiratória” contra a Rede Globo.
As eleições presidenciais de 2002 nos jornais (ALDÉ, 2004; In: RUBIM, 2004a. p. 106) comenta o resultado da pesquisa empírica coordenada pelo IUPERJ/DOXA com quatros grandes jornais impressos de circulação nacional: O Estado de S. Paulo, A Folha de S. Paulo, O Globo e o Jornal do Brasil. O Estadão foi o jornal mais parcial, engajado na campanha governista. O Globo foi inconstante, dando maior ou menor visibilidade aos candidatos segundo os acontecimentos. A Folha foi considerado o jornal com maior neutralidade em relação às eleições presidenciais.
O JB [...]
[...] apesar de ter utilizado os dados da Doxa em publicidade que louvava a própria imparcialidade, teve uma cobertura rala em relação aos outros. A pretensa neutralidade deu-se a custa da omissão de notícias negativas relevantes, principalmente em relação ao candidato do governo. (ALDÉ, 2004, p. 125)
Aldé faz também comparações significativas sobre a cobertura da mídia impressa em outras eleições. Em 94, o real dominou a pauta jornalística e a imprensa contribuiu para eleição do candidato da situação; e, em 98, houve um esvaziamento da campanha. Por outro lado, em 2002, havia um clima de descontentamento inexistente em 94 e 98 e a cobertura foi pautada pelas campanhas, através de realeses e da produção de fatos políticos pelos candidatos, como aconteceu com Collor em 89.
Porém, apesar de todo aparato conceitual para analisar os HGPE’s, os telejornais e a mídia impressa, as duas grandes vedetes midiológicas das eleições presidenciais de 2002 fugiram a regra: o novo formato das entrevistas individuais nos telejornais e o debate do final do segundo turno de campanha – ambas iniciativas da Rede Globo.
B) No livro Lula presidente – televisão e política na campanha eleitoral (FAUSTO NETO; VERÓN; RUBIM; 2003) há alguns excelentes artigos sobre este novo formato de entrevistas e a privatização midiológica do discurso político pela imprensa e o esvaziamento ainda maior do HGPE como espaço público. Fausto Neto (FAUSTO NETO, 2003, p. 85 e p. 119) defende que, nas eleições presidenciais de 2002, o campo político perdeu definitivamente o controle sobre a produção de visibilidade de seus discursos na esfera pública. Para ele, Lula, longe de ser um mero fantoche monitorado pela mídia, é um operador estratégico sem o qual a mídia não conseguiria midiatizar a política.
O candidato do PT se aliou à mídia para tornar definitivamente a política “refém das condições de produção de sentido definidas pelas mídias” e com isso se elegeu.
E esta lua de mel entre Lula e a Mídia é uma construção política e vai continuar após a campanha e durante o seu governo. Na noite do dia 27, Lula eleito presidente vai ao Fantástico e fala ao vivo; na segunda-feira, em um episódio impossível de ser imaginado até então, co-apresenta todo Jornal Nacional, ancorando as matérias, e, emocionado, recebe uma homenagem da Rede Globo. Na terça-feira, vai para Rede Record e participa dos telejornais Cidade Alerta e Record Notícias.
Fausto Neto escreveu também, em conjunto com Eliseo Verón, um brilhante estudo semiótico sobre o debate entre Lula e Serra no final de campanha, O corpo entre capturas e fugas enunciativas (2004, p. 146). Houve outros debates televisionados durante a campanha no primeiro turno: na Band, na Record e na Globo. Mas, o debate do final do segundo turno foi particularmente importante por dois motivos: Lula, com maioria nas pesquisas e argumentando não se envolver na troca de acusações, se recusava a participar de debates e era bombardeado no HGPE como despreparado para debater com Serra. A recusa, tática e não estratégica, gerou uma grande expectativa no público e criou um clímax para campanha eleitoral. O formato do debate também tem um significado marcante, combinando elementos da democracia francesa (onde o debate de final de 2O turno na TV faz parte da campanha eleitoral oficial) e norte-americana (com os candidatos em pé em meio a uma arena de indecisos). Fausto Neto e Eliseo Verón vão detalhar bastante a estrutura e o desenvolvimento deste curioso debate não-dialógico, cujas regras impedem a interlocução entre os candidatos e com o público presente.
Todos esses estudos destacam a submissão da política à linguagem midiática em vários aspectos, desde a presença do apresentador como uma autoridade superior à dos candidatos em disputa até mesmo em relação a dar visibilidade às demandas que consideram importantes (como a alta do dólar ou a situação da violência em determinado estado).
Reconhecidos alguns excessos, isto é, de fazer da mídia sujeito e objeto centrais da trama política, considere-se todos esses trabalhos e abordagens como esforços conjugados para constituição de uma área de pesquisa, mas interessa mais, à presente pesquisa, o processo social e histórico de construção da Imagem Pública de Lula.


[1] Sobre a ascensão e queda meteóricas da candidata a candidata pelo PFL ver CARVALHO In: RUBIM, 2004a. p. 142.

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