segunda-feira, 12 de março de 2018

1998


Lula X FHC (1998)
             Em 1998, a campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso ofuscou a terceira tentativa de Lula de chegar ao Planalto, ainda no 1º turno.  O petista fez 21.475.218 votos (31,71% dos válidos). FHC, que colheu a segunda safra de frutos políticos da estabilização e fim da inflação com o Plano Real, e teve 35.936.540 votos (53,06% dos válidos).
Resultado eleitoral em 1998
Candidato
Votos e % sobre válidos
Votos e % sobre apurados
Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
35.936.540 (53,06%)
Apurados
83.297.773 (78,51%)
Válidos
67.722.475 (81,30%)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
21.475.218 (31,71%)
Brancos
6.688.403 (8,03%)
Ciro Ferreira Gomes (PPS)
7.426.190 (10,97%)
Nulos
8.886.895 (10,67%)
Eleitores
106.101.067
Enéas Carneiro (Prona)
1.447.090 (2,14%)
Abstenção
22.803.294 (21,49%)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

            Desta vez, o candidato do PT foi derrotado pela crise econômica internacional e pelo pacto da reeleição - em que a Presidência, os governadores e os partidos da maioria do governo se apoiaram de modo a garantir sua continuidade no poder por mais quatro anos.  A mídia, cúmplice   fiel   do   poder, escondeu   a campanha eleitoral no noticiário.


A ELEIÇÃO DE 1998
  1. Cenário de Representação da Política
Como vimos na contextualização histórica, o primeiro governo de FHC foi um desastre: privatizações, perda das reservas cambiais, queda da renda salarial media, desemprego, deterioração dos serviços públicos, aumento do endividamento interno e externo, vulnerabilidade internacional ao fluxo de capitais. Bem diferente das cinco prioridades sociais da campanha de FHC em 94 (a mão): saúde, educação, emprego, agricultura, segurança (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).
Na área da saúde, a falta de verbas e a utilização de parte da CPMF (o imposto sobre movimentação financeira, na época provisório e voltado exclusivamente para a área de saúde) para o PROER levou ao pedido de demissão do ministro da saúde Adib Jatene. Lesbaupin também lembra os episódios da epidemia de dengue no Rio de Janeiro (LESBAUPIN, 2002, p. 43) e do aumento abusivo nos preços dos remédios (LESBAUPIN, 2002, p. 45), que ocorreram por causa do corte de verbas e da falta de fiscalização do Ministério da Saúde levaram a um verdadeiro caos durante 6 dos 8 anos do governo FHC. Com a entrada de José Serra, no entanto, haverá uma mudança significativa na administração. E na área de educação, para investir no ensino básico e médio, o governo decidiu privatizar o ensino superior. Congelou os salários, cortou verbas de manutenção, diminuiu o número de bolsas, ameaçou aposentadorias. Ao mesmo tempo, o BNDES financiou o crescimento do ensino privado superior. Antes de FHC, o ensino superior era 70% público; depois de FHC, 66% dos estudantes universitários estão em universidades privadas – sem que isto tenha mudado o fato de que os alunos mais pobres estudam nas universidades privadas enquanto os de melhor renda estudam nas universidades públicas.
Na área de agricultura, somando os dois governos de FHC, foram assassinados 243 trabalhadores rurais e houve duas chacinas (Corumbiara e Eldorado dos Carajás). E os números do governo e do MST sobre o número de assentamentos é bastante discrepante. Também na área de segurança pública, nenhuma de suas propostas de campanha foi adotada e houve um aumento da violência. Mas, das prioridades sociais de campanha de FHC em 94, aquela que ele mais se esqueceu foi a questão do emprego.
Qual a razão do apoio monolítico da imprensa e dos meios de comunicação a FHC antes e durante seus dois governos? Em primeiro lugar, FHC governou para a TV – e em vários sentidos. Para aprovar a emenda da reeleição (com um detalhe institucional inédito na história das democracias republicanas: sem a exigência de se licenciar do cargo que disputava) promoveu uma segunda leva de concessões de canais de rádio e TV para políticos, contemplando os interesses regionais das empresas de comunicação na privatização das telecomunicações, aprofundando ainda mais o coronelismo eletrônico, que passou a partir de então a também controlar os mercados de telefonia e Internet (KUCINSKI in LESBAUPIN, 1999, p. 184).
A revista Veja (07/10/98, p. 28-33, reportagem de Expedito Filho) afirma que FHC procurou os principais empresários de comunicação pedindo para não colocarem fatos desfavoráveis ao governo em 98 e ameaçando desistir de se candidatar à reeleição. E, certamente, houve pelo menos duas grandes abafadas de escândalos: em maio de 97, foi descoberto que o deputado federal Ronivon Santiago do Acre vendeu ao governo seu voto em favor da emenda da reeleição; e, em novembro de 98, os acordos e propostas das escutas telefônicas não autorizadas no BNDES. Mas, o apoio monolítico da mídia não era à pessoa de FHC ou ao seu governo, mas sim ao projeto neoliberal de desmonte do estado e de abertura comercial. O apoio da mídia apenas expressava e reforçava o apoio da população brasileira a esse projeto, o único que se apresentava como viável e responsável.
Três fatores marcaram as eleições presidenciais de 1998: a crise internacional das economias emergentes, o alto nível de desemprego e o instituto da reeleição.
Em 1997, já havia estourado a crise dos tigres asiáticos. As bolsas de valores ficaram imprevisíveis e houve fuga de capital especulativo nos países emergentes, inclusive no Brasil. Em junho de 1998, uma nova crise explodiu na Rússia. Em setembro, poucos dias antes das eleições, a situação se agravou e houve pânico nas bolsas. Dia 06, a Bovespa caiu 8,6% e US$ 15 bilhões abandonaram o país. O governo aumentou os juros e anunciou um pacote de medidas fiscais. FHC faturou eleitoralmente o fato, tranquilizando a todos e se apresentando como o único com preparo e capacidade para superar a crise. Ruim comigo, pior sem mim – sugeriam os últimos HGPE’s tucanos. Enquanto isso, Lula quis explorar a crise responsabilizando FHC pela situação ao invés de apresentar propostas para resolvê-la – repetindo assim o mesmo erro da campanha anterior.
O desemprego foi o principal tema da campanha dos dois candidatos, mas enquanto Lula responsabilizava a política econômica recessiva e neoliberal do governo do PSDB, FHC afirmava que só quem venceu a inflação, pode derrotar o desemprego - como se a estabilidade monetária do Real nada tivesse a ver com a queda vertiginosa do crescimento econômico e do PIB. Porém, tanto a postura de superioridade intelectual diante da crise internacional, como a atitude otimista frente ao problema do desemprego, realçaram os atributos pessoais de competência e capacidade de FHC, diante de um Lula ainda revoltado e irresponsável.
Há também um importantíssimo fator de posicionamento que é a aprovação da emenda de reeleição - com todas as suas consequências: adesão política dos governadores, também candidatos à reeleição, a aliança entre os três principais partidos nacionais (fazendo com que em alguns estados os dois principais candidatos a governador apoiassem o candidato-presidente), mais tempo nos programas de propaganda eleitoral do TSE, entre outras. Esse posicionamento deu uma grande vantagem a FHC, fazendo com ele surgisse como franco favorito nas pesquisas de intenção de voto, mesmo antes de a campanha eleitoral começar.
E, nas eleições, o número final de votos brancos e nulos, venceu a soma dos votos dos candidatos. Em 1998 não houve mudança na intenção de voto. Sendo assim, pode-se dizer que, nesta eleição, a agenda da mídia como um todo durante um largo período de tempo, combinado com outros fatores extra midiáticos, como a reeleição, foi mais importante do que os HGPE’s.
A resolução n. 20.106/4, de março de 1998, determinou que, além dos 50 minutos de HGPE’s, houvesse também 30 minutos de spots (de 30 segundos) durante todo o horário comercial das programações de TV. Porém, a proibição de externas foi mantida. Não houve debates (FHC não aceitou participar de nenhum). Novamente, houve abusos e denúncias em jornais e telejornais, e desta vez, a imprensa passou a ser investigada pela justiça eleitoral.
Em relação à agenda através da imprensa, o trabalho mais importante foi Imprensa, Campanha Presidencial e agenda da Mídia (AZEVEDO, in: RUBIM, 2000, p.31). Nessa pesquisa, a campanha presidencial em 98 teve duas etapas distintas separadas pela derrota do Brasil na Copa da França (junho/julho). Na primeira etapa (abril/maio) havia uma agenda negativa para o governo: seca no NE, saques de flagelados, um mega incêndio florestal em Roraima, invasões do MST, e a declaração de FHC de que os aposentados com menos de 50 são vagabundos. Esta agenda de mídia negativa ao governo espelhava um empate técnico entre FHC e Lula na pesquisa Data Folha (10/04). Porém, em uma segunda etapa (agosto/setembro) observa-se uma mudança significativa no comportamento da mídia, que passou a esconder a campanha eleitoral, dando prioridade a outros assuntos. Houve um distanciamento da campanha eleitoral presidencial da agenda da mídia (crise financeira, corrupção no futebol, as campanhas estaduais e proporcionais). E o mais importante: excluindo-se a cobertura da campanha eleitoral como um todo, a presença do Presidente e do Executivo ocupa boa parte do noticiário. A agenda da mídia é favorável a FHC porque o enquadra de forma positiva como o presidente (que é candidato) e não um candidato (que está presidente). A pesquisa mostra claramente que a Rede Globo escondeu a campanha eleitoral presidencial e o fato chegou a ser denunciado por outros candidatos (houve até um manifesto contra a omissão da mídia, assinado por Ciro e Lula).
Também se pode dizer que, o fato de FHC aparecer muito à frente de seus adversários nas pesquisas de opinião do segundo semestre, evitando o efeito Horse Race e a inexistência de debates televisados diminuiu o interesse do público pela disputa eleitoral, que já parecia decidida desde o início. Através da metodologia da agenda da imprensa, constata-se que não foram a imagem e as propostas de campanha de FHC que ganharam as eleições, mas a sua ausência como candidato do governo, aliada à sua presença no noticiário como Presidente da República dentro de um agendamento temático, principalmente em relação à crise internacional do momento. O silêncio da mídia, em conjunção com o posicionamento de sua candidatura (conquistada a partir da aprovação da emenda constitucional da reeleição) garantiu antecipadamente o resultado da eleição de 98.
Outro importante trabalho sobre a agenda da imprensa escrita nas eleições presidenciais de 98 (durante os 30 dias que antecederam a votação) é a pesquisa de Cunha (2000), que também conclui que Fernando Henrique Cardoso foi o grande beneficiado - com maior exposição e maior número de matérias positivas. O presidente ganhou mais espaço, teve mais fotos publicadas, foi personagem de mais reportagens e seu nome apareceu mais vezes – além dos editoriais que recomendaram o voto no candidato do PSDB. O autor analisou as edições dos 30 dias que antecederam o pleito, concluindo que a cobertura feita por sete dos principais órgãos da mídia impressa ([1]) [...]
[...] não é imparcial, tanto em virtude de o conteúdo publicado refletir preferências partidárias e ideológicas como também porque as práticas jornalísticas que adotam rotineiramente favorecem tratamentos desiguais e privilegiam os políticos que se encontram no poder. (CUNHA, 2002, p. 115)
Em relação à agenda através de telejornais, Miguel (CUNHA, 2002, p. 81) aponta os quatro pontos em que o Jornal Nacional da Rede Globo favoreceu indiretamente ao governo e ao seu candidato: a) demora em noticiar a crise internacional; b) ênfase no caráter externo dos problemas; c) elogios à competência da equipe econômica; e d) a invisibilidade da oposição.
E, para disfarçar, no dia 15 de agosto, o Jornal Nacional colocou Lula no ar acusando "o governo de pedir e conseguir dos meios de comunicação, que suprimissem do noticiário informações sobre a seca e o desemprego". Manobra bem explicada por Miguel: “a presença da acusação no próprio noticiário servia como o melhor desmentido ao acusador: passava como evidência a imparcialidade da emissora.” (CUNHA, 2000, p. 68)
  1. Horário eleitoral
Fernando Henrique Cardoso contou com mais tempo e com programas mais bem produzidos do que seus adversários. Uma vantagem perigosa se não for bem utilizada. Como a estratégia era de não debater com os outros candidatos, boa parte dos programas foi composta de videoclipes, jingles e políticas futuras. E muitas obras públicas apresentadas, não apenas como resultados do trabalho do governo federal, mas sim como garantia de que FHC era o único com experiência, com capacidade e com propostas para governar. As obras não eram apenas federais, mas também das administrações estaduais e municipais, fruto de convênios com a União (e do acordo feito em torno do apoio dos governadores à reeleição de FHC e do governo federal às reeleições estaduais). Em muitos estados, a propaganda política estadual também pegava carona no programa do FHC e, em alguns, mais de um candidato a governador apoiou (e se apoiou) na propaganda da campanha presidencial.
O slogan Avança, Brasil sintetizava a principal mensagem da campanha. “Muito já foi feito, mas não podemos parar, temos que avançar realizando o que ainda falta”. Outra ideia subliminar, insistentemente repetida, era “você se lembra do tempo em que havia inflação”, “não podemos retroceder”. Dois spots (veiculados durante a programação comercial das TVs, mas também usados no HGPE) vendem bem essa ideia: no primeiro, a câmera mostra a imagem fechada de uma alavanca de câmbio de um carro com cinco marchas, o carro arranca e a cada marcha o locutor, em off, fala uma das realizações de FHC, quando o carro já está bastante acelerado e chega na hora de passar a quinta marcha o locutor diz que “não podemos engatar a marcha ré”. Em outro spot, aparece um comandante de avião de grande porte argumentando que, para pilotar uma aeronave de grande porte, é preciso experiência.
Outro destaque do programa eleitoral de FHC foi o quadro Bom Dia, Brasil imitando o estilo de programa jornalístico de entrevistas. Geralmente rodado às tardes (e reeditado à noite com os melhores momentos), o programa tinha até intervalos semelhantes aos breques comerciais (quando se veiculava os spots) e entrevistou o próprio FHC, a sua esposa, Dona Ruth Cardoso (sobre o programa Comunidade Solidária) e Pelé (seu ministro de esporte).
Já a campanha de Lula primou pela propaganda negativa contra o governo. O PT simplesmente não conseguiu exorcizar o Outro do seu discurso. Houve uma constante e exaustiva comparação entre o Brasil verdade, mostrado por Lula e o país das maravilhas, inventado por FHC e sua equipe de marketing. O slogan coração brasileiro e a escolha da cor branca para campanha acabaram por se perder, bem como a ideia de apresentar um candidato mais humano e preocupado com as questões cotidianas das pessoas simples. Outra estratégia do PT era a de contrapor o HGPE de FHC ao noticiário da imprensa, tentando mostrar que a publicidade do presidente estava fora da realidade, vendendo uma visão fantasiosa do país. Nesse sentido, o PT produziu um spot Plantão Eleitoral, que imitava os plantões jornalísticos das redes de TV.
Na 1ª semana de HGPE (18, 20 e 22/08) os candidatos apresentaram suas biografias, seus jingles de campanha e suas propostas principais. FHC, através da entrevista com sua esposa, Dona Ruth Cardoso, sobre o programa Comunidade Solidária tentou desconstruir o argumento de que seu governo não tinha atuação na área social e só se preocupava com questões econômicas. No programa do PT, o destaque ficou pela dramatização humorística que mostrava uma família de Taiwan agradecendo ao presidente Fernando Henrique por seus empregos em uma fábrica de ratinhos eletrônicos de brinquedo. A dramatização lembrava bastante a linha crítica e irônica, adotada na campanha do PT no primeiro turno de 1989, mas logo foi abandonada por uma propaganda mais séria e agressiva. No sábado, enquanto FHC apresentava uma reedição dos dois primeiros programas, Lula alertava para o pânico na Bovespa e para as declarações do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, de que haveria aumentos de impostos (pacote fiscal) após as eleições.
Já na 2ª semana, FHC apresenta programas temáticos sobre educação (25/08) e saúde (27/08), mostrando os avanços de seu governo nestas áreas (utilizando a entrevista de Pelé e dando ênfase ao projeto Toda criança na escola) e Lula insiste em desmascarar a visão ilusória do programa de seu adversário, colocando no ar um grande número de pessoas insatisfeitas e respondendo a cartas de eleitores. Também há um significativo discurso de Lula, voltado para juventude, contra a alienação eleitoral e um programa (27/08) dedicado ao problema da fome. No sábado (29/08), enquanto FHC reedita os programas passados durante a semana, Enéas, Ciro e Lula falam da crise econômica na Rússia e de seus possíveis efeitos no Brasil. Lula, em especial, acusa o governo de esconder a verdadeira situação do país e cobra mudanças econômicas imediatas, como a queda da taxa de juros e o fim das importações predatórias.
Na 3ª semana, FHC apresenta um show de obras públicas feitas por seu governo em vários estados brasileiros (01/9). O presidente-candidato promete, ainda, criar 7,8 milhões de empregos, detalhando onde e como vai fazer para gerá-los. O programa questiona abertamente o PT e a sua proposta de criar 15 milhões de empregos, sem dizer de que forma. “Todos falam de gerar empregos, mas só nós mostramos como e onde. A experiência é a diferença”. O programa do PT, por sua vez, reedita a fala de Lula sobre a crise e apresenta várias repercussões (Brizola, Maria da Conceição Tavares, Vicentinho). Nos dias 03 e 05/9, o programa de FHC critica as críticas sem solução e apresenta Lula e Aloísio Mercadante criticando o plano real no HGPE de 1994, afirmando que o mesmo está acontecendo em 98. O PT continua repercutindo a fala de Lula sobre a crise.
A 4ª semana é marcada pela divulgação de uma pesquisa do IBOPE que mostra um aumento de sete pontos percentuais da intenção de voto para FHC após o começo do HGPE. O candidato governista conta agora com 47% contra 23% de Lula. FHC lidera em todas as regiões geográficas, entre os jovens e entre as mulheres. Seu programa tenta faturar a diferença não só através da meta-campanha (divulgando os dados), mas também tenta consolidar e aumentar o saldo com propostas específicas para os setores. Enquanto isso, Lula tenta contrastar o programa de FHC com as notícias veiculadas pela mídia, sobre a crise. No dia 10.9, FHC apresenta um programa especial voltado para a região nordeste do Brasil; Lula lembra que na derrota da final da Copa do Mundo, “esconderam a crise do jogador Ronaldinho por causa do patrocínio de uma multinacional” (Fita DOXA-IUPERJ, 98/04, 35:17), afirmando que agora o governo esconde a crise econômica.
Nesse momento, a crise econômica chega ao clímax, fazendo com que o Banco Central suba ainda mais a taxa de juros. No sábado (12/09), os programas debatem o assunto.
Na 5a semana de campanha, apesar de Ciro Gomes dizer que FHC é “cara de pau” porque diz que é o único capaz de resolver a crise que ele criou (15/09) e que há um pacto entre institutos de pesquisa e redes de televisão, a candidatura governista continua subindo, chegando aos 49% das intenções de voto pelo IBOPE. FHC agora ensina a votar na urna eletrônica e começa a utilizar a imagem dos dois brasis (inspirados nos dois nordestes), um pobre e outro rico, que precisam se unir para vencer a crise e o desemprego. Lula continua com um discurso reativo em relação ao governo (votem em mim porque sou contra eles) e faz algumas denúncias contundentes na área da saúde pública (17/9). Porém, no programa do dia 19, FHC surpreende admitindo que ainda há muitos problemas na área da saúde, mas mostrando os esforços feitos pelo ministro José Serra e dizendo que precisa de mais quatro anos para concluir seu trabalho. No mesmo dia, Lula investe contra a tentativa de reforma da Previdência feita pelo governo e lembra que o presidente chamou de vagabundos os que se aposentam antes de 50 anos.
A penúltima semana de HGPE é marcada pelos direitos de resposta da campanha de FHC concedidos pela justiça eleitoral contra o programa do PT e principalmente pelo pronunciamento do presidente FHC em cadeia nacional de rádio e TV (logo, fora do horário eleitoral) sobre a necessidade de tomar medidas urgentes contra à crise econômica. “Ao tomar medidas impopulares Fernando Henrique mostrou não temer agir como presidente e não como candidato [...]” – afirmou seu programa, escondendo no próprio argumento o uso eleitoral das medidas administrativas.
Enquanto falava como presidente, dentro e fora do programa eleitoral, FHC também não deixava de criticar que [...]
[...] o PT estava passando [novamente] dos limites com agressões pessoais, da mesma forma que fez em 94 quando estava perdendo e da forma de que foi vítima em 89. (Fita DOXA-IUPERJ, 98/07, 45:13)
O PT, por sua vez, continua reclamando que “FHC baixa a cabeça para a agiotagem internacional”, pagando juros em vez de “investir na produção para gerar empregos através do crescimento econômico” e repetindo o VT em que o presidente chamou os aposentados de vagabundos. Nos dias 24 e 26/09, FHC reedita seu pronunciamento como presidente dentro do horário eleitoral e Lula o critica, sem perceber que o reforça.
A última semana de campanha transcorre sem surpresas. FHC mostra que se gasta o mesmo valor (menos de um real) para fazer um bolo tanto em 94 como em 98. Lula e Ciro dão uma entrevista coletiva à imprensa, denunciando um “complô” da própria imprensa contra as candidaturas de oposição. No dia 01/10, último dia da campanha, FHC presta uma bela homenagem a dois de seus colaboradores, recentemente falecidos (o ministro Sergio Motta e o presidente da Câmara dos Deputados, Luis Eduardo Magalhães, filho de ACM), e termina seu programa com seu jingle, executado por um coral, de forma emocionante. Lula apresenta seu único programa sem propaganda negativa contra o governo, mostrando o sertão, origens de Lula e suas propostas.
  1. Recepção
Evolução da intenção de voto nas pesquisas de opinião de 1998

Fonte: DATAFOLHA
Nas pesquisas de opinião, Lula e FHC estiveram em empate técnico no final de maio e início de junho (FHC 34%, Lula 30%); em julho, Lula cai para 28% e FHC sobe para 40%; em agosto, a diferença aumenta (FHC 42%, Lula 26%). Durante o período de propaganda eleitoral, Lula permanece estável, em torno de 26%; FHC começa com 48%, cai para 46% no final de setembro e sobe novamente, em outubro, para 49%. Também não se pode dizer que, nesta eleição, houve efeito de impacto do HGPE sobre as pesquisas de opinião eleitoral. O tempo das campanhas diminuiu de 60 para 45 dias.
O mais completo trabalho sobre a eleição presidencial de 1998 e o HGPE é A disputa política na televisão – Uma análise das estratégicas discursivas dos candidatos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (OLIVEIRA, 1999). Além de uma revisão bibliográfica dos trabalhos sobre metodologia e sobre outras eleições presidenciais brasileiras, Oliveira elege os seguintes critérios mais simples para a leitura de HGPE’s dos candidatos: a) Construção da Imagem do candidato; b) Construção da Imagem do País; c) Os temas; d) Posicionamento; e) Adaptação do discurso político para a TV.
Segundo Oliveira, o personalismo foi predominante na construção das imagens dos candidatos. FHC é o homem que mudou a história do país e Lula é o Homem-coração, o único sensível às necessidades das pessoas simples. Em relação à imagem do país, FHC apresenta um futuro otimista (até mesmo irreal) para o Brasil; enquanto Lula, com o Brasil-verdade, enfatizava uma visão crítica e pessimista.
No campo temático, ambos trataram o desemprego como tema dominante, mas enquanto Lula tentava responsabilizar a política econômica recessiva do governo, FHC afirmava que só quem venceu a inflação, pode derrotar o desemprego. Quanto ao posicionamento, Lula afirma que a crise econômica pioraria com a reeleição de FHC, mas a opinião pública preferiu acreditar que a crise pioraria com ele. E do ponto de vista da adaptação do discurso político à linguagem da TV, os programas de FHC tiveram, para Oliveira, o melhor nível técnico, em vários aspectos.
Oliveira considera que FHC logrou transformar “o cidadão com problemas particulares do cotidiano, em um público eleitoral” (OLIVEIRA 1999; p.87). Para ele, nos HGPE’s há uma tríplice estratégia: reforçar os votos dos seus eleitores, mudar a intenção de voto dos eleitores, dos adversários e convencer os indecisos. Lula conseguiu manter seus votos, mas não conquistar novos; FHC conseguiu manter e ampliar a sua vantagem.
No entanto, sendo um pouco mais realista, constata-se que o aparecimento de spots durante a programação diária (pequenas inserções na TV e no rádio durante os comerciais), na propaganda eleitoral brasileira, a partir de 1998, diminuiu ainda mais o caráter cívico (de ferramenta da cidadania) do HGPE. Isto adicionado a outros fatores (a audiência segmentada da opinião pública, a ação da imprensa em relação às elites, a própria performance individual dos candidatos) acabou por fazer os programas menos eficazes. Outra obra de referência para o estudo dos HGPE’s dessa campanha é a coletânea Mídia e Eleições 98 (RUBIM, 2000), resultante dos trabalhos apresentados no II Encontro (Inter)Nacional de Estudos de Comunicação e Política. Neste livro, encontram-se estudos específicos sobre o uso e a linguagem dos spots; artigos interessantes sobre a construção das Imagens Públicas dos candidatos presidenciais; um estudo de Soares sobre o CR-P das eleições presidenciais de 98; bem como um texto panorâmico do próprio Rubim (Novas Configurações das Eleições no Brasil Contemporâneo).
Porém, na perspectiva dessa pesquisa, o texto desta coletânea com maior importância: Reflexões sobre o marketing político de Lula em 98, (ALMEIDA, 1999, p. 159), que estuda detalhadamente as três estratégias utilizadas pelo PT nos HGPE’s (a linha light, a linha emotiva e a linha de crítica social) concluindo que, mesmo com a forte influência do papel da imprensa e da crise internacional, faltou um programa político consistente que fosse capaz de conquistar a hegemonia do processo político. Tal ausência resultou na adoção hesitante e sem sucesso de diferentes estratégias.
Utilizando-se do modelo de análise de Estratégias de Persuasão (FIGUEIREDO, ALDÉ, DIAS, JORGE, 1998), pode-se dizer que tanto em 94 como em 98 Lula adotou uma estratégia de desafiante (que afirma que o mundo atual é Ruim e pode vir a ser Bom) e FHC, uma estratégia de mandatário (em que o mundo atual é Bom e pode melhorar). Seguindo estes parâmetros pode-se dizer que na primeira eleição, FHC apresentava a continuidade do plano Real como sua principal tarefa e oferecia sua capacidade administrativa e intelectual como garantia, enquanto Lula afirmava que a estabilidade da moeda era um blefe e que apenas ele faria as mudanças estruturais necessárias à retomada do crescimento. Há, portanto, uma certa oposição entre estabilidade e desemprego. Ou seja: ou bem se controla a inflação ou bem se tem crescimento econômico. Em 98, FHC, aproveitando-se desta oposição, vai eleger o desemprego e o crescimento como suas principais tarefas, roubando as bandeiras de seu adversário na eleição passada. Só quem venceu a inflação, pode acabar com o desemprego.
Como garantia, o presidente-candidato apresentava não apenas sua capacidade administrativa e o fato de ter estabilizado a moeda, mas, sobretudo, sua capacidade de articular apoios, tanto no Congresso Nacional para aprovação das reformas necessárias ao crescimento, como também em nível internacional dos credores e autoridades públicas de outros países.
Lula, por sua vez, que na primeira eleição apresentava apenas as ideias de honestidade e credibilidade como garantias de sua proposta de ruptura com o modelo econômico injusto e concentrador de renda, vai evoluir para a ideia de um governo de coalizão, que defenda os interesses nacionais e não apenas os interesses do mercado financeiro. Como garantia, o PT passou da honestidade para a ideia de amadurecimento.


[1] O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo, JB, Veja, Época e Isto É.

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